O Diário de Bordo do Coronel Hiram Reis e Silva, construído em parceria com o Clube de História do Colégio Militar de Porto Alegre, relata projetos de navegação a caiaque realizados pela região amazônica.
Fase 1: Tabatinga-Manaus (concluída em fevereiro de 2009). Fase 2: Rio Negro (concluída em 20 de janeiro de 2010).

Percursos percorridos na Fase 1 e Fase 2

Percursos percorridos na Fase 1 e Fase 2
Mapa produzido pelo Globo Amazônia

Maçarabi - Santa Isabel (27 - 30 dezembro 2009)

Por Hiram Reis e Silva, Santa Isabel do Rio Negro, AM, 29 de dezembro de 2009

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Parti às sete horas com a intenção de atingir a Comunidade Boa Vista, que também, segundo o mapa do ISA, possuía telefone. Durante todo o trajeto avistei apenas três outras pequenas embarcações cruzando o rio e pouco ou nenhum movimento nas raras comunidades. Grandes bancos de areia me fizeram desviar por mais de uma vez da rota planejada. Em cada parada eu me refrescava nas águas cor de chá do Negro, recuperando a energia. Continuava comparando as fotografias aéreas do Google com o terreno sem qualquer dificuldade até chegar ao mapa de número 12. A fotografia aérea estava tomada por nuvens, não permitindo avaliar o formato das ilhas ou furos. Marquei o rumo e segui remando. Devo ter entrado em um furo diferente e sai a montante do planejado, avistando algumas ilhas não previstas. Resolvi não arriscar; se ultrapassasse a Comunidade Boa Vista, só chegaria à noite na próxima aldeia. Avistei uma cabana numa prainha a montante do ponto em que me encontrava. Remei forte contra a correnteza e aportei, exausto, no sítio do senhor Manoel Menezes, da etnia Tuiuca. Menezes me informou que Boa Vista ficava perto, mas eu não estava em condições de continuar.

- Manoel Menezes, um contador de estórias
Montei meu acampamento sob uma rala cobertura de palha e depois de tomar um revigorante banho e ingerir uma porção de macarrão crua, estava pronto para descansar. Fiquei conversando, ou melhor, ouvindo meu novo amigo. Falou ininterruptamente sobre a língua geral, as dificuldades para manter seu roçado, de sua vida desde Pari da Cachoeira até as cercanias de Boa Vista, da preparação do caxiri... Deixei uns comprimidos para gripe com um dos quatro netos do Sr. Manoel e todo meu estoque de massa. A penúria daquela gente era muito grande. Tinham apenas farinha de mandioca para comer.

- Encontro com a equipe de apoio
Parti às sete horas, já que o trecho a percorrer era mais curto que os demais. Quando ia passando ao largo da Comunidade Boa Vista ouvi o Coronel Teixeira me chamando e apontei a proa para a origem dos gritos. Foi bom avistar, pela primeira vez, minha equipe de apoio. Já estava achando que desceria sozinho o Negro. A embarcação usada pela dupla de apoio, porém, era de assustar, feita de um único tronco, seu fundo arredondado não tinha qualquer estabilidade e somente graças à destreza do piloto é que se mantinha a flor d’água. Pedi ao Teixeira que fosse buscar minha bússola que esquecera na casa do Tuiuca Manoel. Parti antes do seu retorno, tendo em vista que meu deslocamento era muito lento em relação ao barco da equipe. A viagem transcorreu sem alteração e ao meio dia, numa pequena praia, degustei um peixe pescado e preparado pelo nosso piloto, acompanhado de arroz. A tranquilidade de ter por perto uma equipe de apoio para atender a essas necessidades básicas era reconfortante. Depois do almoço, seguimos para Santa Isabel.

- Santa Isabel do Rio Negro
A vista da cidade é a mais bela que tive a oportunidade de avistar desde o Solimões. A Igreja, o novo Hospital, a Missão e um belo jardim compõem um agradável conjunto para quem chega pelo rio, vindo do norte. Transcrevo, abaixo, alguns dados da Biblioteca Virtual do Amazonas sobre o Município.

Aspectos Históricos

“Após e expulsão dos jesuítas da Amazônia, em 1661, o povoamento do rio Negro é relativo a partir de 1695 com a chegada de religiosos de outras congregações que, com a finalidade de catequizar os índios, vieram fundando vários povoados ao longo do rio. Em 1728 é fundada a Missão de Nossa Senhora da Conceição de Mariuá, berço da atual cidade de Barcelos. Em 1760, estabele-se um destacamento militar e, em seguida se constrói um forte no local onde hoje é a cidade de São Gabriel da Cachoeira. Toda a região constitui então a capitania de São José do Rio Negro, com sede em Barcelos. Aproximadamente meio caminho entre Barcelos e São Gabriel da Cachoeira, floresce a povoação da Ilha Grande, à margem direita do rio e defronte a essa incidência geográfica que lhe deu o nome. Em 1931, quando é definitivamente restaurado o município de Barcelos, a região do atual município de Santa Isabel do Rio Negro fazia parte de seu território. Em 29.12.1956 pelo desmembramento determinado pela Lei Estadual nº 117, é criado o Município de Santa Isabel do Rio Negro, com sede na vila antigamente chamada Ilha Grande. Em 04.06.1968, pela Lei Federal nº 5.449, o município é enquadrado como Área de Segurança Nacional. Em 10.12.1981, pela Emenda Constitucional nº 12, Santa Isabel do Rio Negro perde parte de seu território em favor do novo município de Bittencourt.
- Agricultura: suporte econômico do setor absorve a maior parte da mão-de-obra local; com destaque para a mandioca, abacaxi, arroz, cana-de-açúcar, feijão e milho. E nas culturas permanentes destacam-se abacate, laranja, coco, banana, limão, manga e tangerina ao nível de subsistência.
- Pecuária: não tem representatividade para a formação econômica do setor, registrando-se pequenas criações de bovinos, suínos e bufalinos.
- Pesca e Avicultura: é praticada em moldes artesanais e sua produção é voltada para o consumo familiar. Não incrementa economicamente o setor primário.
- Extrativismo Vegetal: aparece em pequena escala, baseando-se na exploração de gomas não elásticas, aparecendo num plano mais distanciado, a castanha, a piaçaba e borracha”.

Maçarabi - Boa Vista (27 dezembro 2009)

Boa Vista - Santa Isabel (28 dezembro 2009)

Santa Isabel (28 - 30 dezembro 2009)

Tapuracuara Mirim - Maçarabi

Por Hiram Reis e Silva, Santa Isabel do Rio Negro, AM, 29 de dezembro de 2009

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Acordei às 5h30min e comecei a desmontar o acampamento e arrumar os sacos de viagem. Encontrei a Comunidade toda fazendo a higiene matinal, nos despedimos e deixei avisado que se a equipe de apoio aparecesse por ali eu pretendia pernoitar na Comunidade de Maçarabi. Escolhi esta Comunidade tendo em vista de que o mapa que eu conseguira com o Instituto Sócio Ambiental (ISA) anunciava que lá poderia fazer uso de um telefone para me comunicar com meus familiares e equipe de apoio em Porto Alegre.

- Partida (26 de dezembro)
O deslocamento solitário nos remete à reflexão. Mergulhado, literalmente, na selva tropical ouvia somente o ruído das pás dos remos golpeando as serenas águas do dolente Negro. As paisagens se sucediam como numa caprichosa exposição fotográfica em que entes celestiais procuravam expor suas mais belas imagens. Tinha arbitrado parar nas mais belas praias, e a escolha não estava sendo fácil. As festas de Natal regadas a muita bebida tinham deixado apenas para mim aquela imensidão aquática. As Comunidades ainda se ressentiam das ressacas pagãs dos festejos natalinos.

- Comunidade Maçarabi
A Comunidade está encravada em altos rochedos na margem meridional do Negro. A visão do alto das rochas é formidável. As diversas ilhas com suas rochas, vegetação e praias nos remetem a uma Amazônica Polinésia. O ruído das inúmeras corredeiras quebra a monotonia silenciosa que envolve o Negro. Contatei o Capitão, graças a Dona Isabel, e este autorizou que eu me estabelecesse na Casa de Apoio. A Casa de Apoio estava localizada atrás das caprichosas instalações da FUNASA. Infelizmente o telefone não funcionava e não consegui estabelecer contato com meu pessoal.

- Lenda dos Bares
“A teia aracnídea das lendas amazônicas, vasta e complicada, cômica e trágica, tanto mais extraordinária quanto envolta no mistério, é originária de todos quadrantes do globo. (...) Em cada ponto da planície equinocial, no ocidente ou no oriente, nas colinas do sul ou nas serras do norte, inventadas pelo aborígene, trazidas pelo africano, espalhadas pelo português, divulgadas pelo forasteiro, ingênuas, inverossímeis, risonhas, tenebrosas – as histórias dos animais e das sereias, dos gnomos e dos pajés empolgam a imaginação fecunda, plástica da gente que erra no Vale”. (Raymundo Moraes)

Dona Isabel, da etnia Baré apareceu mais tarde para conversar. Viúva, morava com a filha e estava desiludida com a maneira que se festejava o Natal nas Comunidades. Provoquei-a para que me relatasse a lenda da origem do povo Baré. As coincidências de relatos me levaram a eleger uma das lendas coletadas, por mim, já há algum tempo, cujo autor, Braz de Oliveira França, apresenta com certa coerência a lenda da origem do povo Baré.
“Antigamente, ainda no início do mundo, entrou no rio Negro, vindo do rio maior um grande navio, cheio de gentes no seu interior e cada um com seu par. Apenas um homem viajava neste mesmo navio, pelo lado de fora, pois o mesmo não foi aceito dentro por não estar acompanhado. Ao passar pela foz do rio Negro viajava tão próximo das margens do rio, que os passageiros viram que havia muitas pessoas na margem, inclusive o homem que viajava pelo lado de fora, o qual não resistindo à tentação, logo se jogou para fora e nadou para a margem do rio. Ao alcançar a beira, ele foi agarrado por um grupo de mulheres guerreiras que tinham o costume de aceitar apenas mulheres em seu grupo. Quando tinham necessidade de ter filhos, aprisionavam machos de outras tribos e dessa relação, se nascesse mulher elas criavam, e se fosse homem elas matavam. Esse seria o destino do homem que nadou até a margem, para quem deram o nome de ’Mira-Bóia’ (Gente-cobra), se não fosse sua estrutura física ser um pouco diferente das que elas já conheciam, por isso resolveram poupar-lhe a vida depois de terem submetido ‘Mira-bóia’ a um rigoroso teste de masculinidade. As guerreiras então prepararam uma grande festa na primeira Lua Cheia, grande fogueira no centro do pátio foi feita, muitas frutas e mel silvestre foram coletados. A festa com os rituais rolaram durante oito dias. No fim da festa, o grupo tomou a seguinte decisão: ‘Mira-bóia’ ficaria morando com um grupo com a condição de gerar um filho com cada uma delas. Teria que dormir três noites com uma mulher que estivesse na época do seu período fértil. Terminando essa missão, ele seria executado, assim como todo filho que nascesse homem. ‘Mira-bóia’ então passou a conviver com o grupo por um longo período, nessas condições, até que gerasse filho com a última mulher, e essa última era a ‘Tipa’ (Rouxinol), uma jovem muito bela que estava no primeiro período de menstruação. Ela, por ser a mais nova, a mais bonita e muito querida pelo grupo, teve o privilégio de morar com Mira-bóia até que sua gestação aparecesse visualmente para o resto do grupo. Devido a isso Tipa e Mira-bóia passaram a viver uma vida a dois e quando ela percebeu que já estava gestante, descobriu-se também perdidamente apaixonada pelo companheiro. O mesmo acontecia com Mira-bóia. Como o destino do nosso herói seria a morte, ela conseguiu convencer o seu já considerado marido para uma fuga. No primeiro período de Lua Nova ele e ela fugiram, aproveitando o momento em que as guerreiras saíram para caçar e coletar mel e frutas, o que serviria de consumo nos dias da festa da execução do homem que dera para o grupo muitas guerreiras de sua geração. Foram viver distante dos demais grupos. Acredita-se que esse local tenha sido nas proximidades de Mura no baixo rio Negro. Depois de mais ou menos 30 anos, a família já estava grande, Tipa e ‘Mira-bóia’ todos os dias pela tarde curtiam sua felicidade juntos com os filhos e filhas de sua geração. Com isso eles viram que podiam ser uma família muito maior. Foi então que Tupana ordenou que viesse até eles o seu Mensageiro, o qual se chamou Purnaminari para lhes dizer o seguinte: ‘Aquilo que vocês estão pensando agrada a Tupana, por isso ela me enviou, para ensinar vocês a trabalhar e com isso garantir a comida de vocês todos os dias’. Purnaminari então passou a morar com eles por um longo período, ensinando-os a fazer canoa, remo, roça, armadilha para pegar caça, peixe e treinar o novo grupo para guerra. Quando o pequeno grupo já sabia de tudo que lhe foi ensinado, ele organizou uma grande festa com Dabucury, Adaby e Curiamã para preparar o povo na sua caminhada, dizendo: ‘Agora que vocês já sabem de tudo o que eu lhes ensinei para viver, voltem para a terra de Tipa e tomem todas as mulheres do antigo grupo de Tipa para serem mulheres de vocês, aí então vocês serão grandes e respeitados e conhecidos por Baré-mira (povo Baré)’. Purnaminari, o mensageiro de Tupana, voltou várias vezes para visitar e instruir seu povo. O grupo cresceu bastante a ponto de dominar totalmente a região do baixo e médio rio Negro. Ao chegarem a Cachoeira de Tawa (São Gabriel) permaneceram ali até que Purnaminari decidisse o novo destino do seu povo. No entanto, nessa cachoeira Kurukui e Bururi desentenderam-se e brigaram muito entre si, por isso resolveram separar-se, ficando Kurukui de um lado e Buburi de outro lado do rio. Essa separação acabou provocando desobediência às regras de Purnaminari, que ordenou ao povo não se misturar com outros grupos, porém Kurukui e Baburi acharam que para poder aumentar os seus grupos tinham que ter muitas mulheres. Foi quando eles guerrearam com grupos menores para tomar suas mulheres e se multiplicarem. Assim Tipa e ‘Mira-bóia’ fizeram e conseguiram ser pais de um grande povo que, até a chegada dos ‘brancos’, habitava o rio Negro desde a foz até as cachoeiras. (Braz de Oliveira França).

São Gabriel da Cachoeira (21 a 24 dezembro 2009)

São Gabriel da Cachoeira

São Gabriel da Cachoeira
“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Por Hiram Reis e Silva – São Gabriel da Cachoeira, AM (23/Dez/2009)


Hoje, 22 de dezembro, apresentamo-nos ao General Rosas, atual comandante da 2ª. Brigada de Infantaria de Selva, e já nomeado para a chefia do Estado Maior do Comando Militar da Amazônia. Depois de um longo e agradável bate-papo, fomos até a 21ª Companhia de Engenharia de Construção, comandada pelo Major Vidal, onde conversamos longamente com os irmãos de arma e fizemos questão de verificar o nosso caiaque, que estava no almoxarifado da Companhia. Meu parceiro de jornada do Solimões aparentemente estava em condições de enfrentar as águas pretas do Rio Negro. Chequei o material de reparo, fibras de resina, comprado pelo Cel Ebling em Manaus. Guiados pelo motorista do Comandante da Companhia, realizamos um tour pela cidade. Na delegacia, paramos para fazer contato com o Comandante do Destacamento da Polícia Militar, Capitão PM Lamonge. O Capitão encontrava-se em Manaus e o destacamento estava sobre o comando do Soldado PM Heleno. O Heleno encarregou-se de estabelecer os contatos necessários para conseguir uma ‘voadeira’ para o deslocamento do Cel Teixeira. Este então embarcou na viatura da PM com o Heleno e eu continuei com o motorista da Companhia. Fomos até a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro ‘FOIRN’. A bela construção de madeira guarda no seu interior belas peças de artesanato de diversas etnias indígenas do Alto Rio Negro. Um conjunto em especial me chamou a atenção: a cestaria Daniwa, cuja harmonia de formas e cores se destacava dentre todos.

Cestaria Daniwa
As grandes cestas são, originalmente, usadas para armazenar alimentos e roupas. Para fins comerciais, são enfeitadas com grafismos coloridos. A cestaria de arumã é realizada pelos homens. O arumã, de colmos lisos e retos, tem sua superfície flexível e permite o corte de finas fibras que são trançadas para formar as cestas. As fibras, sem qualquer tratamento, são usadas na manufatura de cestas mais resistentes. As cestas coloridas exigem um processo trabalhoso que inclui o uso de fixadores extraídos da entrecasca do ingá e de outras árvores que é misturado aos pigmentos desejados.

Morro da Fortaleza
Após a visita à FOIRN, dirigimo-nos ao Morro da Fortaleza. Reproduzimos o texto abaixo, do então Capitão Boanerges, quando em missão de demarcação de fronteiras setembro/1928:

“Fizemos uma excursão às ruínas do Forte São Gabriel, onde só vimos 8 canhões de ferro abandonados, do tempo de D. Maria I. Foi, com efeito, bem escolhida a posição em que existiu o Forte. Como se sabe, foi mandado construir pelo governador do Pará, Manuel Bernardo de Melo e Castro, em 1763, a fim de evitar incursão de espanhóis procedentes das Províncias da Venezuela e Nova Granada. O Forte, colocado à margem esquerda, a cavaleiro do ponto em que o rio se estrangula reduzido a 370 metros de largura, dominava os dois grandes estirões. Tinha a forma de uma luneta, de figura irregular, cuja gola – que é uma frente abaluartada, - defronte com o rio. Nada mais resta do forte, a não ser os 8 canhões citados”. (Sousa)

Três se encontram hoje na Segunda Brigada e outros três no Quinto Batalhão de Infantaria de Selva. Nesse local tirei, mais tarde, várias fotos com o Cel Teixeira do alto da caixa d’água da Cosana.

23/12/2009
O major Vidal providenciou para que o caiaque fosse trazido até o Circulo Militar, onde eu e o Cel Teixeira iniciamos sua manutenção. O Teixeira notou um pequeno dano no compartimento de popa, que foi devidamente resolvido por mim com o material de reparo. Para evitar os problemas que enfrentei no Solimões com o nome do caiaque, Opium, e suas cores azul e amarelo, que lembram a bandeira colombiana, resolvi raspar o ‘O’ de Opium e agora navego com o modelo ‘pium’ mais adequado ao contexto amazônico. Na hora do almoço, o Soldado PM Cavalheiro acertou com o Cel Teixeira o deslocamento da sua ‘voadeira’ pilotada pelo senhor Osmarino, de São Gabriel até Manaus.

Missão salesiana
Na Missão, entrevistamos o bispo emérito Walter Ivan de Azevedo. Nascido em São Paulo, trabalhou durante oito anos em Santa Catarina e São Paulo em colégios, desenvolvendo trabalhos com a juventude.

“Sempre tive intenção e desejo de trabalhar como missionário. Os superiores, então, me mandaram para a Europa fazer o curso de missionário que é antropologia cultural aplicada à envagelização. Permaneci dois anos e, mais tarde, um ano me doutorando nessa matéria em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana e doutorado na Urbaniana. Fui, então, para as missões e foi bom, porque, além de ter um pouco de experiência em visitas com jovens junto às tribos no Mato Grosso, tinha também esse cabedal teórico ou digamos assim: fundamental e científico para abordar as missões. Vim para cá, primeiro como simples missionário em Rondônia, por quatro anos a partir de 1976. Depois desse período, me fizeram inspetor provincial dos salesianos da Amazônia. Visitando as casas paroquiais do Pará, Amazonas e Rondônia, pude conhecer bem a Amazônia. Depois de seis anos de inspetor, me fizeram bispo dessa região (SGC) que é uma região onde os habitantes são 90% indígenas e a maior parte dos outros caboclos, de modo que eu estava no meu ambiente mesmo. Trabalhei aqui como bispo diocesano e depois como emérito durante 20 anos. Nesses últimos três anos, estou trabalhando com seminaristas em Manaus que são os futuros missionários. Quando eu tenho tempo, uma vez por ano, eu fujo para cá para continuar minhas visitas a aldeias, principalmente a nação ianomâmi que é a mais primitiva, ou seja, aquela que teve contato mais recente com os civilizados.”

O bispo editou diversos livros, dentre os quais Pinceladas de Luz na Floresta Amazônica que reproduzirei, oportunamente, alguns trechos no meu livro sobre o Rio Negro. O livro não é uma narrativa de viagens, muito menos a biografia de um missionário; é tudo aquilo que Dom Walter conheceu de bom e de belo na natureza, mostrando, principalmente, o homem da Amazônia.

Fontes:
BOANERGES, Lopes de Sousa – Do Rio Negro ao Orenoco - Brasil, Rio de Janeiro, 1959 – Ministério da Agricultura – Conselho Nacional de Proteção aos Índios.

Partida para São Gabriel da Cachoeira

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Por Hiram Reis e Silva – São Gabriel da Cachoeira, AM (22/Dez/2009)

No domingo (20/12/09), participamos do almoço de despedida do General-de-Divisão Marco Aurélio, realizado na Companhia de Embarcações do Comando Militar da Amazônia (CECMA). Percebemos o carinho e o respeito dos oficiais e praças para com o notável comandante. Na segunda-feira (21/12/09), assistimos a uma palestra do Gen. Marco Aurélio, em que ele apresentou os diversos projetos do COGEAC (Comitê Gestor de Ações Conjuntas), desenvolvidos em parceria com órgãos dos governos federal, estadual e municipal.

SUSTO NO EMBARQUE
Após a palestra, dirigimo-nos ao aeroporto. No chek-in fui surpreendido com a notícia de que o remo talvez não coubesse no compartimento de carga. Embarcamos sem ter maiores notícias sobre o remo. A chuva deu uma trégua depois que nos afastamos de Manaus, permitindo, em algumas oportunidades, admirar as belas praias do Rio Negro, que começa pouco a pouco a ganhar volume. Os belos afluentes da margem direita do Negro serpenteavam até a linha do horizonte. Os lagos em forma de ferradura e os inúmeros furos davam um encanto especial ao sutil traçado que mais parecia obra de uma rendeira celestial. Depois de duas horas de viagem avistamos o Rio Negro, a uns 70 km a Este de São Gabriel da Cachoeira. As suaves corredeiras, as ilhas, as praias imaculadas e as rochas encantavam. Uma sensação mágica tomava conta de mim, uma estranha sensação, como se eu já tivesse singrado aquelas revoltas águas acompanhando um Boanerges ou um Rondon. Nos relatos desses bravos brasileiros, eu já arrastara canoas pelas traiçoeiras corredeiras, demarcara fronteiras, assinalava presença do Brasil nessas terras sem Brasil.

SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA – o município que faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela está a uma distância de 858 quilômetros da capital Manaus. É considerado um dos maiores potenciais turísticos do Estado do Amazonas. Quando descemos do avião, o Cel. Teixeira avistou o remo entre as bagagens, tranquilizando-me. O General Rosas, comandante da 2ª. Brigada de Infantaria de Selva, havia determinado uma equipe de apoio que nos levou até o Círculo Militar do Alto Solimões. O hotel permite que se avistem imagens incomparáveis do Rio Negro, emolduradas ao fundo pela Serra da Bela Adormecida.




Projeto Sargento Agrário

Por Hiram Reis e Silva, Manaus, Amazonas, 20 de dezembro de 2009.

“Mais do que um simples plantador de hortaliças e criador de pequenos animais na área do quartel, ele tem de ser um técnico em assistência e extensão rural destinado a incentivar as comunidades no entorno dos Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs) a estabelecer uma produção rural continuada e permanente”. (General de Divisão Marco Aurélio Costa Vieira)


No dia 19 de dezembro, de manhã, eu e o Coronel Teixeira fomos até o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) onde se realiza, de quinze em quinze dias, a Feira de Produtos Regionais, para encontrar o ‘16’, coronel da PM Leão, companheiro do Curso de Operações na Selva, em 1999.

- Feira de Produtos Regionais
Além da grata oportunidade de rever o velho amigo, pudemos, através do General Marco Aurélio e do coronel Lauro Pastor, conhecer de perto este projeto de iniciativa da Região Militar, que visa possibilitar a inclusão de produtos regionais no cardápio das Organizações Militares do Exército Brasileiro sediadas em Manaus e a comercialização desses produtos junto a população manauense, sem intermediários. Desde fevereiro de 2008 a feira vem estimulando o consumo de produtos oriundos da agricultura regional, beneficiando os pequenos e médios produtores do Estado do Amazonas. A parceria, inédita no País, conta com mais de sessenta expositores, que comercializam carnes, peixes, mel queijos, ovos, frutas, hortaliças e artesanato por preços bem mais acessíveis, beneficiando mais de três mil e quinhentas famílias ligadas à agricultura familiar. Os Sargentos Agrários comparecem à feira com a missão de verificar a qualidade e o preço dos produtos.

- Amazônia! O eterno desafio!
“As hortas de Cucuí são todas suspensas em caixas feitas com paus roliços ou caixotes, algumas diretamente sobre o rio. Disseram-me que a pobreza do solo e o grande número de saúvas eram responsáveis por tal medida. Aliás já venho observando isso desde Barcelos acima. Nestas caixas, colocam apenas solo mais humoso, retirado do subosque da mata. Aqui em Cucuí até as bananeiras são cercadas, e no seu pé também é amontoada terra do subosque. (...) Assim é que um pé de feijão germina e cresce assustadoramente em poucos dias. Daí em diante, qualquer sol ou chuva mais forte, causa queima de suas folhas ou tombamento de sua haste. Chegado o momento de produzir, a planta já exauriu grande parte de suas reservas, sendo, dessa forma exígua a produção. Pensei também nessa lei natural tantas vezes observada na fazenda de meu pai, quando criança. Uma planta em solo muito favorável a seu cultivo, nem sempre era a que produzia mais. Assim é que nos arrozais plantados em terreno virgem cresciam assustadoramente e, na época do cacheamento, soltavam apenas uns poucos cachos raquíticos aqui e acolá, logo tostados pelo sol ou mantidos sem granar por efeito das chuvas. Acredito que, no Amazonas, o fenômeno seja o mesmo, não tanto em relação ao adubo, porém em se considerando, sobretudo, a umidade e o calor”. (Dr. José Cândido de Melo Carvalho)

“O inusitado de servir e trabalhar na Amazônia é que, passados séculos, muitos dos desafios praticamente permanecem, a despeito de toda tecnologia, apesar dos novos conhecimentos que deveriam facilitar o dia a dia e em que pese o imenso esforço despendido pelos nossos antecessores. Na verdade, a renovada vontade de conduzir esforços, projetos e programas, quase sempre tem sido vencida pela perversa solução de continuidade decorrente da democrática mudança de governos, em todos os níveis. Assim que inúmeras das iniciativas jamais saíram da fase embrionária, ou se perderam totalmente mesmo depois de concretizadas, pela falta de recursos dos planejamentos irreais, ou pelo desinteresse daqueles dirigentes que elegeram suas próprias prioridades, criando-se assim várias ruínas de belos empreendimentos, abandonados ao longo de sucessivas administrações. No campo militar não foi diferente, e os valorosos militares que nos antecederam também tiveram de contabilizar muitas frustrações, ainda que em menor escala, também frutos dessa descontinuada gestão através dos tempos. Mesmo os Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs), cujas Comunidades do entorno sempre contaram com a organização, hierarquia e disciplina castrenses, a natural alternância periódica de pessoal ocasionou significativos hiatos administrativos, com profundos reflexos nas ações de subsistência e infra-estrutura, principalmente quanto aos sistemas de geração de energia, sistema viário e de saneamento básico! Cientes do sofrimento dos nossos antecessores, louvando-se da experiência, do esforço e do exemplo incansável dos soldados que conquistaram e souberam manter a Amazônia, os militares da atualidade entendem que tem de mudar esse quadro. Hoje, sabe-se que assegurar a permanência de recursos e a continuidade dos projetos são a certeza da garantia de uma qualidade de vida mínima para o militar e sua família, além de um desenvolvimento humano necessário à comunidade do entorno das Organizações Militares da Fronteira, aspectos fundamentais ao bom desempenho na missão constitucional do exército para a defesa da pátria. Neste sentido, o exército vem implementando projetos empreendedores de longo prazo junto aos Grandes Comandos Operacionais da Amazônia Ocidental com responsabilidade sobre as Unidades na fronteira, observando como condição básica a característica de disporem de mecanismos de defesa contra a solução de continuidade. Um deles, justamente o pioneiro, apesar das dificuldades iniciais, já começa a fincar as suas raízes. Trata-se do chamado ‘Projeto Sargento Agrário’, fruto de uma idéia simples de aproveitamento de profissionais egressos da Escola Agrotécnica Federal de Manaus para o trabalho junto aos PEFs. (...) Estrategicamente, o Sargento Agrário vai cumprir a sua missão quando obtiver a sustentabilidade do Pelotão e da comunidade, que inclusive poderá passar, em curto espaço de tempo, a fornecer gêneros para os militares e suas famílias. Este é o desafio do Sargento Agrário”. (General de Divisão Marco Aurélio Costa Vieira)

- VIDA, COMBATE E TRABALHO!
“O Pelotão Especial de Fronteira (PEF) é uma Organização Militar com características diferenciadas. A missão de um PEF não se limita ao campo da atividade militar (Combate), mas inclui, necessariamente, atividades ligadas à sobrevivência (Vida) e à prestação de serviços diversos (Trabalho) em favor da Organização Militar e da Comunidade Civil, indígena ou não, das imediações do aquartelamento. Pela sua localização em plena área de floresta Amazônica, os PEFs buscam desenvolver seus trabalhos observando fielmente o chamado tripé da sustentabilidade, a fim de garantir a preservação da floresta, da biodiversidade e da cultura local, quer seja ele indígena ou ribeirinha. Amparado no tripé da sustentabilidade, a missão do PEF pode ser expressa pelo seguinte viés: VIDA, COMBATE E TRABALHO! A VIDA pode ser observada nos quesitos ligados às atividades de cultivo de hortaliças, da fruticultura, da piscicultura, na criação de pequenos animais, na preservação do meio ambiente e no bem-estar e lazer das famílias. As atividades de COMBATE podem ser observadas na instrução militar, nos exercícios de adestramento da tropa, no patrulhamento e no reconhecimento da área de fronteira do estado do Amazonas, além da defesa do aquartelamento e de combate a incêndio. No quesito TRABALHO são desenvolvidas atividades de manutenção das instalações, dos equipamentos, atividades de saúde e serviços diversos. Junto às Comunidades desenvolvem-se trabalhos de preservação da cultura, preservando as etnias indígenas, apoio em serviços de transporte e evacuação aeromédica. Os PEFs desenvolvem um papel de relevância nas comunidades fronteiriças contribuindo não só para a defesa nacional, mas também no apoio àquelas populações distantes dos benefícios públicos. E é nesse ambiente que os Sargentos Agrários desenvolvem seu trabalho, servindo de importante elo de ligação entre o Pelotão e a Comunidade”. (Ten Cel R/1 Lauro Pastor)

Fonte: CARVALHO, José Cândido de Melo - Notas de viagem ao Rio Negro - Brasil, São Paulo, 1983 - Edições GRD

Partida para o Rio Negro

Por Hiram Reis e Silva, Manaus, Amazonas, 18 de dezembro de 2009.


“(...) o nosso ‘faro’ de historiador está rareando no seio dos que se dedicam a perlustrar o passado, para dele haurir ensinamentos. (...) Creio que o amigo, até por estar envolvido com a execução do memorável feito, não tenha ainda aquilatado a grandiosidade do ‘Projeto Rio-Mar’, já realizado (e ainda a se realizar!), como este seu admirador, que aferindo com sensibilidade prospectiva, à distância, ‘do alto da janela’, de forma cósmica, holística, o considera de superlativa magnitude histórica”. (Coronel Manoel Soriano Neto)


Antes de minha partida para Manaus, eu havia dedicado grande parte do meu tempo à logística doméstica, na vã tentativa de minimizar um pouco as tarefas que seriam acumuladas pelos meus três queridos filhos. As despesas com enfermeiras, estoque de gêneros, remédios controlados e dieta tinham sido oportuna e perfeitamente equacionados. O caiaque que uso nos treinamentos foi deixado aos cuidados de meu fiel escudeiro, o Cabo Dewite. As avarias sofridas no meu último embate com a Lagoa dos Patos tinham provocado sérias cicatrizes no casco, entortado o leme e precisavam ser reforçados e reparados. Eu ainda não desisti da travessia da Lagoa.


- O Vôo (16/12/2009)

O check-in, ao contrário do ano passado, foi rápido e eficiente, os funcionários da Gol-Varig foram bastante atenciosos e o vôo saiu exatamente no horário previsto. Eu havia escolhido um vôo (1725) com escalas em Curitiba, PR, Campo Grande, MS, Cuiabá, MT e Porto Velho, RO. Junto à janela eu pretendia, sempre que as nuvens permitissem, admirar a paisagem única dessa ‘Terra Brasilis’. Extasiado, eu admirava o ciclópico mosaico que se estendia até o horizonte. As formas regulares das matas nativas e das diversas culturas agrícolas lembravam um gigantesco quebra cabeças. À medida que nos aproximávamos da linha do equador, as áreas de mata nativa se expandiam e as de plantações se contraiam. A devastação, que havia notado até o sul do estado de Rondônia, estancava na fronteira do estado do Amazonas, onde o solo formava uma bela e uniforme floresta primitiva. A última escala de Porto Velho a Manaus permitiu-me admirar, por entre as nuvens, o belo traçado do rio Madeira. O belo contorno do rio e suas praias imaculadas me encantaram. A 3ª Fase do ‘Projeto Rio-mar’, ainda em aberto, tem as seguintes opções; a Descida do Madeira, de Porto Velho até sua foz no Amazonas e daí até Itacoatiara, ou a descida de Manaus até Santarém, no Pará. A definição dependerá do apoio que recebermos para a execução da jornada. A chegada em Manaus, depois de nove horas, seria antecipada em oito minutos, o que poderia ser considerado um recorde, considerando o número de escalas. A natureza, mais uma vez, resolveu mostrar quem manda, e uma chuva torrencial fez o piloto arremeter. O sobrevôo permitiu, mais uma vez, observar os gigantes aquáticos que teimavam em não misturar suas águas no monumental Amazonas e as extensas praias que se estendiam preguiçosamente ao longo das margens. Belas feridas provocadas por uma das mais sérias estiagens que assolou a região nas últimas décadas. Nosso grande amigo, o Coronel Ebling, esperava-nos como havia prometido, e nos conduziu até o 2º Grupamento de Engenharia (2º Gpt E), onde ficaríamos alojados até seguir para São Gabriel da Cachoeira.


- Manaus (17/12/2009)

Uma viatura do Grupamento me conduziu até a 4ª Divisão de Levantamento (4ª DL), onde pretendíamos confirmar algumas coordenadas e outros dados sobre o rio Negro. Infelizmente, o Tenente-Coronel Clóvis Gaboardi, chefe da 4ª DL, nos informou que os dados estavam sendo processados por uma empresa terceirizada e que os mapas digitalizados só estariam disponíveis a partir de 2016. Tentei, então, obter estas informações com o Centro de Embarcações no Comando Militar da Amazônia (CECMA). Graças aos ST James de Magalhães Melo, Sgt Solis Rodrigues e Sgt José Maurício Oliveira da Silveira, chefiados pelo Major Rommel Valério Menezes Brito da Silva, conseguimos transferir os dados do trajeto utilizado pelas embarcações de CECMA para o meu GPS. No grupamento, após a instalação do programa do GPS, baixei o trajeto completo e, comparando com as fotografias aéreas, fui locando as referências mais importantes. Interrompi minha labuta apenas para cumprimentar o Gen Bda Lauro Luís Pires da Silva, novo comandante do 2º Gpt E, que estava recebendo a apresentação de seus comandados. O General Lauro é um velho amigo do tempo em que éramos instrutores do Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva (CPOR/PA).


- 2º Gpt E

“Narrar a história da Engenharia Militar na Amazônia é falar do 2º GECnst, com sede em Manaus/AM e suas Unidades de Engenharia de Construção, pois as duas histórias estão amalgamadas pelos objetivos de seu idealizador, o General-de-Exército Rodrigo Octávio Jordão Ramos, que já nos idos de 1970 vislumbrava a importância fundamental de uma infra-estrutura viária para o desenvolvimento da Amazônia. A Engenharia Militar tem como missão de promover meios para a defesa da região e, ao mesmo tempo, sua integração estratégica à vida brasileira. Desta forma, a engenharia militar aplica, diuturna e permanentemente, a sua peculiar dualidade: adestrar sua tropa operacional e tecnicamente, e, simultaneamente, cooperar com os programas de desenvolvimento regional. As grandes distâncias, as dificuldades do apoio logístico, a impenetrabilidade da floresta, as características fisiográficas do terreno e o vulto das operações são desafios vencidos ombro-a-ombro, com a determinação e a perseverança peculiares do soldado-engenheiro. Desde que iniciou suas atividades até os dias atuais, um grande acervo de obras e realizações se alinha entre as missões cumpridas pela Engenharia Verde-Oliva, destacando-se a construção de 90% das estradas federais existentes na Amazônia, a implantação de aeródromos, portos fluviais e construção de aquartelamentos. Além da execução de tão importantes trabalhos, a Engenharia Militar busca soluções tecnológicas para ultrapassar as dificuldades impostas pelas condições locais, participa ativamente da qualificação de jovens que prestam o Serviço Militar, facilitando sua reinserção no mercado de trabalho e coopera com o desenvolvimento das comunidades, visando o uso sustentável dos recursos locais e o fortalecimento da região onde atua, o que resulta em maior benefício social e segurança para a população”. (Seção de Comunicação Social do 2º Gpt E)


- Passagem de comando do 2º Gpt E (18/12/2009)

Meu amigo e parceiro de jornada, Coronel André Flávio Teixeira, chegou à tarde e o acomodamos no alojamento de oficiais superiores do Grupamento. O 2º Gpt E realizou, às 19h30min, a solenidade de Passagem de Comando do Coronel Carlos Alberto Borges Teixeira para o General-de-Brigada Lauro Luís Pires Da Silva. O General Lauro servia no Departamento Geral de Pessoal em Brasília/DF. Tive a grata oportunidade de encontrar, neste dia, dois grandes amigos: o General Lauro e o General José Cláudio Fróes de Moraes. A expedição pelo rio Negro dava sinal, desde o início, de que as coisas transcorreriam de acordo com o planejado e com as bênçãos do Grande Arquiteto.

Na rota do rio Negro

Por Hiram Reis e Silva, Porto alegre, RS, 16 de dezembro de 2009

“É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias,
mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito,
que nem gozam muito, nem sofrem muito,
porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota”.
(Theodore Roosevelt)

Planejamento, treinamento, reveses, sucessos, um ano atípico, de condições climáticas extremamente adversas, tornaram difícil a preparação física para esta fase que considero a mais complexa de nosso grande ‘Projeto Aventura Desafiando o Rio-mar’. Buscamos inspiração nos heróicos desbravadores do passado, energia nas entranhas de cada célula de nosso corpo e tenacidade em nossa alma inquieta. Hoje, quarta-feira, estou partindo para o Amazonas. Na bagagem, além do material de acampamento, saúde, higiene, sensoriamento remoto, uma ansiedade me acompanhará, certamente, remada a remada até o momento em que aportar na praia do 2° Grupamento de Engenharia em Manaus no final de janeiro. Transcrevo, abaixo, o texto de meu caro amigo o Coronel Soriano, de quem sou profundo admirador, que ilustra a capa de meu projeto de livro. É pena que as nossas atuais instituições de ensino não sejam capazes de, como ele, ter a capacidade de aquilatar a real importância e a grandeza do Projeto Rio-Mar.


- Coronel Manoel Soriano Neto - Historiador Militar
O Coronel Hiram Reis e Silva, brilhante Oficial de Engenharia do Exército, Professor do Colégio Militar de Porto Alegre, é possuidor de muitas e invejáveis titulações civis e militares. Em seu apostolado cívico em prol da Amazônia, contabiliza vários trabalhos escritos, a par de inúmeras palestras proferidas, etc. Entretanto, ele se fará conhecido, historicamente, pela concretização do Projeto-Aventura “Desafiando o Rio-Mar”. E este precioso livro traz a lume o que foi tal aventura, desde o rigoroso treinamento no lago Guaíba, até o hercúleo desafio em arrostar mais de 1700 km (!) do rio Solimões e seus afluentes, de Tabatinga a Manaus, em caiaque, e por quase dois meses. Este fantástico documento é uma verdadeira joia histórica, pois riquíssimo em valiosos ensinamentos. Ao perlustrarmos as suas páginas, somos conduzidos para a fruição de uma empolgante travessia, não em águas procelosas como as singradas, a remo, pelo autor, mas em um rio sereno, de encantadoras narrativas acerca de aspectos fisiográficos, sociais e humanos, referentes a “brasis ainda sem Brasil”. Tal como Orellana e Pedro Teixeira, no heroico pretérito, o Cel Hiram, pela epopeia há pouco realizada, acaba de consagrar, galhardamente, o seu ilustre nome em nossa historiografia, “ad perpetuam rei memoriam”. Mas a obra não trata apenas da descrição do memorável percurso aquático, eis que relevantes questões históricas (“Pirara”, Reservas Indígenas, etc) são muito bem abordadas no memorial, como um brado de alerta à cobiça de Nações hegemônicas sobre a nossa Amazônia. Aduza-se, por derradeiro, que as belezas e lições entesouradas neste livro têm, outrossim, o condão de robustecer, de forma superlativa, o sentimento de brasilidade, o apreço à nossa Soberania e a relembrança de nossos avoengos portugueses - “De nada a forte gente se temia” -, mote que se adapta, perfeitamente, à saga tão bem narrada, prenhe de audácia e coragem... Que o excepcional lavor deste belo historial, de forte conteúdo cívico-patriótico, da fecunda produção literária do bravo e renomado escritor, Cel Hiram, sirva de luzeiro àqueles que amam, de fato, a Terra em que nasceram, na inspiração do poeta-soldado Luiz Vaz de Camões: “Não me mandas contar estranha História. Mas mandas-me louvar dos meus a glória.”

- Investidores
Desta vez, nosso estreito convés levará a bordo dezenas de parceiros que, apaixonadamente, investiram no projeto viabilizando-o. Partimos sem qualquer tipo de apoio de instituições públicas ou privadas, com olhos críticos de um naturalista, mas, sobretudo, com a visão de um patriota que, ao contrário dos viajantes estrangeiros do passado, sabe reconhecer e respeitar as belezas da cultura nativa. Caros ‘amigos investidores’ tenham certeza que meus olhos serão os seus olhos que conosco se maravilharão com as belas praias de águas douradas do Negro e suas paisagens exuberantes. Cada remada, cada contração de minhas fibras musculares estará acompanhada de mais de uma centena de outros braços. Meu encantamento com a história, lendas e costumes será o ‘nosso’ encantamento.
Que o G:.A:.D:.U:. (Grande Arquiteto do Universo) vos abençoe, ilumine e guarde.



Travessia das lagoas litorâneas: Cidreira/Tramandaí

Por Hiram Reis e Silva, Cidreira, RS, 7 de dezembro de 2009

Que importa que haja ondas revoltas,

ameaçando um casco acorrentando.

Quero respirar, no último momento,

a esperança diluindo-se em espumas,

espumas desmanchando-se em esperanças ...”.
(Arita D. Pettená)


Depois do revés sofrido na Lagoa dos Patos resolvi mudar de ares e fui para o litoral continuar meu treinamento. Não desisti da Travessia para Rio Grande e pretendo executá-la futuramente com o apoio do Coronel da Polícia Militar Sérgio Pastl, experiente velejador, apaixonado pela Lagoa e conhecedor de seus mistérios.

Domingo, 29 de novembro de 2009, amanheceu com céu de brigadeiro. Sem nuvens e ventos do quadrante Este de 4 a 5 nós. Era um convite irrecusável, havia programada a travessia pelas lagoas litorâneas de Cidreira a Tramandaí na terça-feira que, segundo a previsão meteorológica, seria o dia ideal. Havia marcado os acessos aos canais no GPS transferindo os dados colhidos no Google Earth.

- Lagoa da Fortaleza

Parti da Lagoa da Fortaleza, às 11h30min, como estava sem leme controlei a direção do caiaque com o corpo, inclinando-o lateralmente para compensar o vento e as ondas de través. Rumei direto para o canal que a une à Lagoa Manoel Nunes onde existe uma represa construída pela Corsan, que impede o acesso dos peixes que demandam do Rio Tramandaí, um verdadeiro crime ambiental. A montante da represa o movimento intenso do cardume próximo à superfície anunciava que a cheia tinha permitido o acesso das tainhas à Lagoa da Fortaleza. Um trio de colhereiros cor-de-rosa acompanhavam inquietos meu deslocamento, mais adiante tarrãs, uma formidável maguari, marrecas piadeiras e pés-vermelhos levantaram vôo anunciando ruidosamente minha passagem.

- Laguna Manoel Nunes

Era interessante navegar no canal. A correnteza e a altura das águas contrastavam com a navegação que eu fizera, no mesmo local, no inverno, quando tive de tracionar o caiaque, a mão, puxando os juncos ou arrastando-o na foz rasa e assoreada do canal. A pequena Laguna Manoel Nunes está quase que totalmente tomada pelas algas o que certamente impede ou pelo menos dificulta o uso de redes de pesca e espinhéis pelos adeptos da pesca predatória.

- Laguna do Gentil

Seguindo a orientação do GPS acessei, sem dificuldades, a estreita entrada do canal do Gentil, totalmente camuflado pelos juncos. Logo em seguida, num pequeno barranco, avistei três colhereiros, talvez os mesmos que vira anteriormente, acompanhados, desta feita, de marrecas piadeiras e um solitário quero-quero. Acostei numa margem, inundada pelas cheias, espantando um cardume de tainhas que descansavam nas águas mornas e rasas e retirei a máquina fotográfica para fotografar o bando. Mais adiante, um bosque a oeste, mostrava as cicatrizes dos ventos fortes que haviam assolado o litoral recentemente. A grande figueira, ao sul, havia resistido heroicamente e se mantido de pé, mas despojada de seus frondosos galhos, a esguia palmeira teve seu tronco quebrado ao meio e as árvores da primeira linha fora arrancada e expunha funebremente suas raízes retorcidas. As areias brancas e os bosques próximos ao sinuoso canal compõem o quadro magnífico deste belo canal. A Laguna do Gentil mostra ao longe raras edificações na sua margem. Aportei, me hidratei e verifiquei o GPS confirmando o alinhamento, que já conhecia, de uma grande antena que sinalizava a entrada do próximo canal.

- Lagoa da Custódia

A entrada do largo Canal estava perfeitamente sinalizada pela cor amarelada dos juncos que tinham sido arrancados pelo tornado. Cruzei com sisudos pescadores que pilotavam um pequeno barco e logo depois com outros, junto a uma grande e mal conservada ponte de madeira que tarrafeavam sem sucesso. As águas haviam coberto as praias de areias brancas foz do canal. A Lagoa da Custódia estava totalmente tomada de construções nas suas margens Este e Nordeste. Calibrei o GPS e identifiquei meu último ponto de ataque, o Canal Tramandaí.

- Lagoa do Armazém

Diferente dos demais, as margens do canal estavam tomadas por construções, a visão, antes agradável e bucólica, fora substituída pela poluição, mau cheiro, e o descaso com o meio ambiente daqueles que moravam às suas margens. Na foz, avistei, a cidade de Tramandaí. Remei rápido na direção apontada pelo fiel GPS. Por mais de uma vez o remo cravou no leito assoreado da Lagoa e, depois, do rio. Foram cinco horas de navegação, a maior parte dela por belos e agradáveis recantos.






Fracasso anunciado nas Desertas

Por Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 26 de Novembro de 2009.

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


- Treinamento para Travessia da ‘Lagoa dos Patos’

Às duas horas e trinta minutos, de 25 de Novembro, iniciei, na Praia da Pedreira - Parque Itapuã, a planejada ‘Travessia da Lagoa dos Patos’, com destino a Rio Grande. Como a enseada se mostrasse tranquila e sem ondas, decidi rumar direto para o Farol de Itapuã. Tão logo me afastei da praia, fui surpreendido pela força dos ventos do quadrante Norte até então barrados pelo Morro da Fortaleza. Alterei a rota de modo a contornar cada uma das enseadas. Sob o manto da escuridão me espreitavam as pedras submersas e, por mais de uma vez, o convés sofreu com o impacto das rochas. Era difícil distinguir as praias de areia dos calhaus. O vento formava ondas que vinha de todos os lados e, com a visão dificultada pela escuridão, resolvi aportar na Praia do Sítio que fica a uns seiscentos metros a Este do Farol. Passei por ela sem avistá-la, cheguei próximo ao Farol, retornei novamente e nada.

- Praia do Sítio e Farol de Itapuã

Em 1845, com a chegada dos Imperialistas à região, os Farrapos afundaram seus brigues ‘Bento Gonçalves’ e ‘20 de Setembro’ entre a Praia do Sítio e o local onde se encontra hoje o Farol de Itapuã. Aportei no Farol de Itapuã às três horas e quinze minutos. Aguardei quase três horas o sol sair e os ventos diminuírem para transpor os umbrais da Lagoa dos Patos.

- Pedra da Argola

Às seis horas, logo depois de passar o Farol, avistei a Pedra da Argola. A enorme argola, de uns cinquenta centímetros, fixada às rochas com chumbo derretido (chumbada), fazia parte de um sistema que visava facilitar a entrada no Guaíba quando soprava o vento Norte. As embarcações faziam uso das argolas para, tracionadas através de cabos, vencer a Ponta onde se localiza, hoje, o Farol de Itapuã.

- Praia do Tigre e Praia de Fora

Contornei a Ponta de Itapuã e, ao alterar o rumo pra Este, novamente o vento forte se fez presente desta vez diretamente de proa. Passei pela Praia do Tigre e logo, em seguida, pela interminável Praia de Fora. Os dezesseis quilômetros que me separavam até a Ponta das Desertas não me permitiam visualizá-la. Não havia avistado viva alma desde que partira da Pedreira, apenas um grande cargueiro entrando no Guaíba, próximo ao Farol, dava o sinal da presença humana até ali. A solidão me encantava. Os cágados, tomando banho de sol, impressionavam pela quantidade. O número, certamente, era justificado pela ausência de seu maior predador natural o ‘Teiú’, que barbaramente violenta os ninhos desses quelônios e come seus ovos. Devem ter uma boa visão, pois quando me aproximava dos bandos, remando, a uns trezentos metros de distância eles mergulhavam afoitamente nas águas da Lagoa. As tainhas davam um espetáculo a parte, o número era impressionante. A área protegida, do Parque, lhes servia de abrigo e parece que elas tinham consciência disso. A água, às vezes, parecia ferver, tal o tamanho do cardume. Uma ou outra saltava na vertical, coisa que eu ainda não tinha visto, projetando seu belo e esguio corpo prateado sobre a linha do horizonte. Remei três horas e meia até o último renque de árvores localizado a pouco mais de um quilômetro da Ponta das Desertas. Descansei meia hora, me hidratei e alimentei, telefonei para os familiares e a Equipe de Coordenação formada pelo Coronel PM Sérgio Pastl (Diretor de Ensino da Brigada Militar e experiente velejador), o Coronel Leonardo Roberto C. Araujo (Chefe da Seção de Comunicação Social do Colégio Militar de Porto Alegre - CMPA) a professora Silvana Schuller Pineda (Clube de História do CMPA) e a amiga Rosângela Maria de Vargas Schardosim.

- O caiaque oceânico ‘Cabo Horn’ e a Travessia das Desertas

Os ventos continuavam muito fortes vindos do quadrante Este, meu destino. Resolvi tentar a travessia e parti às dez horas. A margem do lado oposto não podia ser avistada e tive de me guiar pelo GPS. Havia marcado um ponto diretamente a Leste para diminuir a rota, vinte quilômetros. Em condições normais levaria em torno de quase três horas para percorrer tal percurso. As ondas de metro e meio e o vento de proa freavam meu deslocamento, mas, mais uma vez, o caiaque de Opium se portava galhardamente. Carregado ele se tornara mais estável ainda e eu jogava o corpo para trás para evitar que enterrasse a proa nas grandes ondas. Tinha de manter a concentração na navegação, pois uma enterrada de remo um movimento inadequado poderia virá-lo. Como não avistava a margem oposta, vez por outra, tinha de me guiar pelo GPS e constatava que ia, inadvertidamente, ziguezaguendo, aumentando ainda mais o percurso. Às onze horas confirmei, pelo GPS, que havia navegado apenas 4 quilômetros e meio. Cheguei a conclusão de que não teria condições físicas de manter aquele ritmo e a concentração durante outras três horas e meia e, se o conseguisse, estaria me sujeitando a enfrentar uma possível e indesejada mudança do tempo no meio da Travessia. Resolvi abortar a missão e retornar à minha última parada.

- Montando acampamento nas Desertas

Aproveitei, na volta, o vento de popa e as ondas, surfando. Foi um deslocamento bem mais rápido. Escolhi um lugar entre as árvores, protegido por pequenos montes de areia, protegido do vento e iniciei a limpeza da área e a montagem da barraca. Lavei a roupa e a estendi nos galhos, reparei o convés do caiaque das avarias que sofrera com Fita Crepe. Estava cansado, frustrado. Era a segunda vez que enfrentara condições adversas extremas em meus deslocamentos e a primeira que tivera que abortar. Tinha decidido descansar e, no dia seguinte, no momento em que o vento diminuísse, tentar novamente a Travessia. Saí para observar o local, inúmeros biguás e cágados infestavam as praias e o vento continuava castigando impiedosamente. Retornei à barraca, montei o colchão de ar, e depois de me hidratar e comer massa crua, descansei um pouco. Recebi informação da Equipe de Coordenação que a previsão para o dia seguinte era de trovoadas e ventos mais fortes ainda e fui orientado a abortar a Travessia. O Cel PM Pastl providenciou uma equipe de resgate formada pelo 1º Sgt QPM1 - João Batista Prates Pedroso, do Departamento de Ensino, e do Sd QPM2 - Evertom Haupenthal, da Escola de Bombeiros. Desmontei o acampamento e remei mais de onze quilômetros até o local onde se encontrava a viatura da PM.

- Fracasso anunciado nas Desertas

A Travessia, no seu planejamento original, contava com a presença e apoio, diretamente de bordo, de nosso caro amigo o Cel PM Pastl e seu veleiro. Teríamos o conforto de sua embarcação nos locais de parada sem a necessidade de montar acampamentos. Por problemas de saúde com familiar ele não pode nos acompanhar, mas continuou se preocupando em fazer contato com todos os elementos que, de uma forma ou de outra, poderiam nos apoiar ao longo da rota. O sinal tinha sido claro. A missão deveria ser efetivada em outra ocasião. O enfrentamento recente com vento de cento e dez quilômetros por hora no Guaíba tinha sido outro sinal. Por teimosia, talvez, e outras condicionantes escolares, alheias à nossa vontade, tínhamos de tentar. Ano que vem pretendemos tentar novamente e continuaremos tentando até conseguir.

- E-mail do velejador Pastl

(...) desde 1992 tenho usufruído de vivências na Lagoa dos Patos, e muitas vezes ela me vence. Já fui náufrago nela, veranista, feliz barqueiro a diesel, feliz velejador, passei a noite de 30 de dezembro de 2006 encalhado no Banco do Vitoriano, com a Aninha e os guris. Terrível. Sofri um rebojo em 2006 (...). Ainda noutra quebrou o mastro, sorte que a dois quilômetros de São Lourenço do Sul. Noutra ocasião quebrei o motor (...) encalhei no Capão Comprido, e quase perdi um cunhado, o Valdir, afogado, que desceu no banco de areia para empurrar. Noutra, quase encalhei no Banco do Bojuru. Confesso que rezei, e cantei salmos, de tão medroso que fiquei. (...) Ainda noutra, passei dois dias encalhado (...) no Cristóvão Pereira. Noutra, 31 de dezembro de 2008, ficamos sem vento no Pontal Santo Antônio, e sem o motor (...). Depois veio um rebojo e entramos ‘voando’ em Tapes. Levamos uma hora somente para amarrar o barco no trapiche. (...) Eu sonho com a Lagoa, penso nela todos os dias, por vezes tenho medo, mas é uma cachaça. Para hoje (25 de novembro), a Marinha expedira ‘Aviso de Mau Tempo’ na Lagoa e área Alfa, vento 7 da ‘Escala Beaufort’. És um bravo. Enfrentaste a Lagoa. Não vamos desistir. Vamos nos fortalecer e voltar. (...) Vamos planejar o combate. Vamos voltar e aproveitar a Lagoa em melhores momentos. Ela é linda. Selva!

- Escala Beaufort

O almirante britânico Sir Francis Beaufort (1774-1857) criou uma escala, de 0 a 12, observando as modificações que ocorriam no aspecto do mar, em consequência da ação dos ventos. Algum tempo depois esta tabela foi adaptada para a terra.

Força

Designação

Velocidade (Km/h)

Aspecto do Mar

Influência em Terra

7

FORTE

45 a 54

Mar grosso. Vagas de até 4,8 m de altura. Espuma branca de arrebentação; o vento arranca laivos de espuma.

Movem-se as grandes árvores. É difícil andar contra o vento.

Treinamento para a navegação no Rio Negro/Travessia da Lagoa dos Patos: 25/11 a 30/11 de 2009


Saída: Praia da Pedreira - Parque Itapuã (25/11/2009) Horário 03:00 Objetivo 1: coroamento do treinamento para a descida do rio Negro no estado do Amazonas. A Lagoa apresenta dificuldades bem maiores que a dos rios amazônicos com seus ventos, tempestades e falta de correnteza. Objetivo 2: Chegar à Ponta das Desertas ao amanhecer. Neste local temos de navegar 22 quilômetros até a margem oriental da Lagoa dos Patos. Tempo estimado: 03h20min, com vento Leste. Como é o trecho mais perigoso, a chegada ao amanhecer me permitirá escolher o momento mais adequado para a travessia. Partirei direto seguindo o Farol, mantendo a navegação colada à costa, vou entrar na Lagoa e percorrer todo o trajeto da Praia de Fora até seu extremo Oriental. Após a travessia, a parada, para pernoite, prevista é num canal de irrigação onde se avista, pelo Google, algumas construções que, espero, me permitam montar um bom acampamento. Apoio: O apoio da Brigada Militar através do amigo velejador Cel PM Sérgio Pastl e o sensoriamento remoto adaptado pelo irmão maçon Regadas, da Skysulbra, para ser utilizado no caiaque nos dão a segurança de que as medidas tomadas foram as adequadas para nossa jornada. Este ano tivemos nosso treinamento bastante prejudicado pelas chuvas. Se conseguirmos chegar a Rio Grande no período planejado, seis dias, isso demonstrará que apesar da falta de treinamento adequado estamos preparados.