“A inconstância tumultuária do rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou arrojando-se à ventura em repentinos atalhos. ... ou vai, noutros pontos, em furos inopinados, afluir nos seus grandes afluentes, tornando-se ilogicamente tributário dos próprios tributários: sempre desordenado, e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios - com a ânsia, com a tortura, com o exaspero de monstruoso artista incontentável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido...” (Euclides da Cunha)
- Sidarta (Hermann Hesse)
O autor nos reporta as experiências de um jovem brâmane em eterna busca pelo conhecimento e a luz. Abandonando a casa paterna, Sidarta iniciou sua jornada na companhia dos Samanas. Três anos se passaram e Sidarta verificou que vida samana era uma forma de fugir da vida e do eu e os abandonou. Seguindo sua busca Sidarta se tornou discípulo do Buda. Algum tempo depois, porém, ele se convenceu de que a iluminação não podia ser alcançada por doutrinas, só por vivência, e que a experiência da iluminação era impossível de ser descrita. Resolveu seguir seu próprio caminho sem nenhuma doutrina, nenhum mestre, até alcançar a redenção ou morrer. Atraído pela beleza e sensualidade da cortesã Kamala, se entregou de corpo e alma aos prazeres mundanos até que, arrependido, se deu conta de que tudo “causavam-lhe asco a sua própria pessoa, os cabelos perfumados, o bafo de vinho que sua boca exalava, a flacidez e o mal-estar de sua pele.”
Depois de pensar, inclusive, em suicidar-se encontrou a paz, o conhecimento divino e se tornou um ser de luz através de um homem simples, um balseiro que lhe reportou os mistérios da vida aprendidos no levar constante de pessoas de uma margem à outra e nos conhecimentos adquiridos com o irmão rio.
- O Mestre Rio
Depois de navegar algumas centenas de quilômetros observando, ora a generosidade plena deste manancial de água doce, ora seu poder de promover profundas mudanças na geografia da terra, nós começamos a entender-lhe o espírito. Sua generosidade se manifesta na oferta de pescado farto e de boa qualidade aos ribeirinhos, como via de acesso aos mais inóspitos rincões, na fertilização das várzeas que por ocasião da vazante propiciam o plantio fácil e colheita abundante.
Sua força, seu poder destruidor estão presentes nas barrancas solapadas pela corrente voraz e na vegetação arrastada violentamente para outras plagas. Sua arrogância é capaz de destruir em poucos meses ilhas que levou anos para formar, de alterar os canais abandonando cursos já consagrados para experimentar novos rumos por puro capricho. É a ‘inconstância tumultuária’ do rio adolescente relatada por Euclides da Cunha.
O rio cujo avô formidável corria para o Pacífico nas priscas eras da Pangea teve como pai o ‘Mar Pebas’, quando os continentes se separaram e suas águas foram barradas pela Cordilheira dos Andes que se formou.
Talvez o Solimões, herdeiro destes extraordinários colossos, queira mostrar ao mundo sua força e o faz afrontando tudo à sua volta, provocando alterações profundas na natureza e na vida dos ribeirinhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário